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Implantodontia: Importância do Espaço Biológico na Reabilitação Oral.

Implantodontia: Importância do Espaço Biológico na Reabilitação Oral.

Conheça detalhes da importância do Espaço Biológico na Reabilitação Oral.

Está bem documentado na literatura que o osso que suporta implantes de duas peças sofre perda óssea ao nível da crista, após a conexão do abutment e inserção da prótese em substituições à dentes unitários, desdentamento parcial e desdentamento total. Albrektsson e cols., em 1986, estabeleceram critérios de sucesso para o tratamento com implantes e determinaram que a perda de aproximadamente 1,5 mm de osso cristal, no primeiro ano em que o implante estava em função, seria aceitável. Essa perda óssea foi verificada para os sistemas de implantes que apresentavam conexões hexagonais externas (Figura1).

Figura 1 – Colocação de implantes de conexão protética hexagonal externa e a característica inserção óssea na primeira ou segunda rosca do implante, devido à geometria da região cervical do implante ser polida e pela conexão hexagonal ser de topo e com micromovimentação.

Embora as razões para essa perda óssea inicial tenham sido amplamente discutidas, a estabilidade do osso ainda permanece uma questão controversa. A sobrecarga oclusal, o microgap, a região cervical polida do implante e a infecção são alguns fatores implicados nessa perda óssea precoce, ao redor do implante.

Por um longo tempo, a sobrecarga foi considerada o principal motivo para as alterações ao nível da crista óssea, mas estudos recentes questionam o papel dessa carga na etiologia da perda óssea precoce, na região da crista. Alguns estudos demonstraram que o microgap (na interface implante-abutment) é um fator, se colocar esta interface ao nível ou abaixo da crista óssea, mas essas alterações podem ser neutralizadas posicionando o implante com uma conexão protética cônica estável com alto embricamento mecânico. Um implante com ombro polido, também pode provocar perda óssea ao nível da crista óssea, mesmo “sem carga”. Por este motivo, devemos escolher um sistema de implante que apresente a região cervical microrrugosa e conexão protética cônica, que possua um ângulo de conicidade baixo e longa extensão de atrito entre os cones do implante e do abutment ( Figura 2).

Figura 2 – Colocação de implantes de conexão protética cônica e que apresenta o ombro do implante microrrugoso. Na radiografia periapical pode ser visualizado o cone do implante e do abutment e a sua extensão de atrito, assim como a conicidade.

Um outro fator a ser considerado é o espaço biológico, ou seja, a distância entre a margem da mucosa peri-implantar e a crista óssea subjacente. O termo espaço biológico foi baseado no trabalho de Gargiulo et al em 1961, que descreveu as dimensões e a relação da junção dentogengival em cadáveres humanos. Os dados coletados das mensurações de 287 dentes isolados, de 30 amostras de autópsia, determinaram definitivamente a existência de uma relação de proporcionalidade entre crista óssea alveolar, inserção conjuntiva, adesão epitelial e profundidade do sulco. Eles reportaram as seguintes médias: 0,69 mm de profundidade de sulco; 0,97 mm de adesão epitelial (medida mais variável); e inserção conjuntiva de 1,07 mm (medida mais constante). Baseado neste trabalho, o espaço biológico médio é de 2,04 mm, representado pela soma das medidas de epitélio e conjuntivo. O sulco gengival com aproximadamente 0,69 mm de comprimento não é considerado por muitos autores como parte do epitélio biológico de inserção. 

Por outro lado, a mucosa ao redor de implantes inclui uma barreira epitelial de aproximadamente 2 mm e uma zona de tecido conjuntivo de inserção de 1-1,5 mm de extensão. Foi levantada a hipótese de que existe uma relação semelhante entre osso e tecido mole sobrejacente ao redor dos implantes, e alterações nessa relação pode ser uma das razões para a perda óssea precoce da crista.

Figura 3 – Cimentação de uma coroa metalocerâmica, sobre um primeiro molar inferior, e na imagem radiográfica pode ser visualizado o espaço biológico preservado, com o término da coroa protética distando 2 mm da crista óssea. Na reabilitação implantossuportada, do segundo pré-molar inferior, temos um implante com conexão protética cônica autotravante e um abutment que possui um transmucoso de 1,5 mm. Após quatro anos de acompanhamento, é possível visualizar tecido duro sobre o ombro microtexturizado do implante e, dessa maneira, podemos ter a barreira de tecido epitelial e tecido conjuntivo, totalizando uma espessura de tecido ao redor de 3 mm.

Ha revisões de literatura publicadas sobre espaço biológico ao redor de implantes, todas seguindo a abordagem narrativa tradicional. A revisão tradicional é informativa e pode fornecer uma perspectiva geral do tópico, mas é suscetível de viés na seleção das publicações a serem revisadas. Foi sugerido que uma revisão sistemática fosse o melhor método para extrair as evidências da literatura. E, dentro das limitações desta análise e das evidências atualmente disponíveis, uma revisão concluiu que a estrutura e a função do espaço biológico ao redor dos implantes estão bem documentadas em estudos histológicos em animais e humanos.

Pode ser observado que apesar das estruturas da gengiva ao redor de dentes e implantes terem algumas características similares, existem diferenças na composição do tecido conjuntivo, no alinhamento dos feixes de fibras colágenas (perpendiculares ao longo eixo de dentes e paralelas ao longo eixo de implantes) e na distribuição das estruturas vasculares.

A integridade do espaço biológico é de suma importância para a manutenção da saúde gengival, uma vez que sua existência é fundamental para a aderência do epitélio juncional e da inserção conjuntiva à estrutura dentária. O epitélio juncional é uma continuação do epitélio do sulco que, por sua vez, é continuação do epitélio oral; mas, é a única parte do epitélio que tem uma união com a superfície dental e, portanto, participa da junção da gengiva ao dente. Ele é responsável pela união do epitélio à superfície do dente e pode estar localizado tanto na coroa como na raiz. 

O espaço biológico é essencial na remoção de qualquer agressão que possa atingir o periodonto, portanto ele é responsável por manter a saúde periodontal. Sua função em condições fisiológicas é o vedamento biológico para o ligamento periodontal e o suporte ósseo alveolar subjacente. Um constituinte que exerce seu papel nesse contexto é o epitélio sulcular, uma barreira mecânica contra a invasão bacteriana. 

Para o clínico, o principal significado do espaço biológico está em relação à posição das margens das restaurações e seu impacto na posição pós-operatória do tecido. Se a margem de uma restauração for posicionada muito subgengivalmente, de modo que haja invasão do espaço biológico, podem ocorrer dois possíveis resultados: reabsorção óssea, que recria a distância do espaço biológico – e esta é a resposta típica observada em implantes e; ao redor dos dentes, a resposta mais comum à violação do espaço biológico é a inflamação gengival, um problema significativo nas restaurações anteriores. 

Nos implantes osseointegráveis, o espaço biológico é influenciado por inúmeros fatores, entre eles a macroestrutura do implante, ou seja, implantes de corpo único e implantes com conexões ou duas peças (hexágono externo, interno e cone parafuso). Implantes de duas peças apresentam uma fenda entre o implante e o abutment protético denominada microgap.

Os primeiros estudos histológicos sobre espaço biológico peri-implantar têm demonstrado que a mucosa peri-implantar ao redor dos implantes é composta por um epitélio sulcular, que varia entre 1,5 mm e 2 mm, e tecido conjuntivo entre 1 mm e 2 mm. O epitélio gengival oral apresenta uma extensão com o epitélio juncional fino voltada para a superfície do implante, estendendo-se cerca de 1,64-2,35 mm a partir da mucosa marginal. A dimensão da porção marginal da mucosa peri-implantar (sulco gengival) ao nível marginal do contato osso/implante possui cerca de 3 mm. A interface implante/abutment é correspondente à junção cemento/esmalte da dentição natural. A mucosa peri-implantar é similar a dos dentes naturais, consistindo de uma gengiva livre peri-implantar que corresponde à gengiva marginal. O espaço biológico ao redor de implantes é formado por um sulco peri-implantar, epitélio juncional e tecido conjuntivo. O epitélio oral é contínuo com o epitélio sulcular. A porção apical do epitélio juncional é fina e se une à superfície do implante por meio de hemidesmossomos.

Figura 4 – Neste caso, um implante com conexão cônica e abutment de zircônia com 3 mm de transmucoso, e espaço suficiente para manter a saúde dos tecidos peri-implantares. Nas fotos, podem ser visualizados os aspectos clínicos da saúde peri-implantar e periodontal. A gengiva se localiza aproximadamente 2 mm sobre o esmalte para os dentes 13 e 11. A distância da linha cemento/esmalte seria pouco mais de 1 mm; o total, em média 3 mm, corresponde ao espaço biológico. Para o dente 12 (implante), a mucosa peri-implantar com ceratinização está recobrindo a parte do abutment e coroa em cerca de 4 mm.

Apesar da relação osso/implante ser muito íntima, existe uma região supracrestal na qual o tecido conjuntivo gengival ou a mucosa alveolar possuem uma orientação paralela à superfície do implante. A união entre a mucosa gengival e o implante de titânio inclui um epitélio juncional longo, com aproximadamente 2 mm, e uma zona de tecido conjuntivo maior ou igual a 1 mm. 

Na realização do exame de resistência a sondagem pelo tecido gengival e pela mucosa peri-implantar clinicamente saudáveis, a sonda penetra o epitélio juncional, bem como a porção do tecido conjuntivo próximo da crista óssea alveolar. Isso ocorre porque a orientação das fibras colágenas é paralela e porque há ausência dessas fibras do tecido conjuntivo aderidas diretamente ao implante, fornecendo uma menor resistência à penetração da sonda. Já em relação à presença de mucosa queratinizada, uma quantidade mínima é desejada. A gengiva e a mucosa queratinizada peri-implantar correspondente foram examinadas por Berglundh e colaboradores utilizando um modelo canino. Estas pesquisas foram essenciais para confirmar que os tecidos moles supracrestais eram compostos por epitélio juncional e uma zona de adesão de tecido conjuntivo. Numericamente, nos tecidos peri-implantares, a média de extensão do epitélio juncional foi de aproximadamente 2 mm em direção apico-coronal, separado da crista óssea por uma zona de adesão de tecido conjuntivo maior do que 1 mm de altura. A associação dessas dimensões sugerem valores de normalidade entre 3 mm e 4 mm, contudo, sem consenso com outros estudos. 

Outro ponto importante endereçado por essas publicações é o fato das fibras constituintes do espaço supra-alveolar se originarem do cemento acelular dos elementos dentários, enquanto a maioria das fibras nos sítios peri-implantares ocorre em um compartimento avascular, aparentemente ancorada no periósteo da crista óssea, com disposição circular ao redor do implante. A gênese desses tecidos moles ao redor dos implantes é decorrente do processo de reparo após sua instalação. As células epiteliais das bordas da ferida cirúrgica são sinalizadas a se proliferarem e migrarem sobre o tecido injuriado, até estabelecerem solução de continuidade. A capacidade de adesão dessas células ao componente protético e síntese de lâmina basal com hemidesmossomos é responsável pela formação do epitélio juncional peri-implantar. Por este motivo é importante utilizar o conceito “One abutment at one time”.

Figura 5 – O conceito “One abutment at one time” é importantíssimo para a organização dos tecidos moles e duro, desde o dia da cirugia, no momento em que se instala o abutment e adapta uma coroa dental provisória.
As características e respostas dos tecidos bucais, moles e duros, não mudam quando um implante é usado para substituir um dente. Apesar da literatura apresentar uma vasta quantidade de informações avaliando os tecidos moles peri-implantares, não foi conseguido um consenso a respeito das dimensões exatas para qualificação de saúde, talvez pelo fato de que fatores externos, como técnica cirúrgica, posicionamento e desenho do implante, podem influenciar essa medida. 

Os implantes de duas peças podem sofrer uma perda óssea cristal após a inserção do abutment protético e instalação da restauração implantossuportada. Embora as razões para essa perda precoce da crista óssea (também denominada saucerização) tenham sido amplamente discutidas anteriormente. Como visto, fatores como sobrecarga oclusal, presença do microgap, ombro do implante liso e infecção podem potencializar esta perda óssea. Entretanto, deve-se atentar para a diferença entre saucerização e remodelação óssea: enquanto a primeira se associa a uma perda patológica, a segunda é muito mais relacionada a uma fisiologia de adaptação dos tecidos peri-implantares na região cervical dos implantes.

A ideia da formação do espaço biológico ao redor dos implantes está diretamente relacionada à acomodação dos tecidos moles peri-implantares e às remodelações ósseas presentes em todos os tipos de conexões protéticas. Portanto, se for infecção, o tratamento para recuperar a região peri-implantar deve ser norteado pelas indicações da peri-implantite.

Figura 6 – Nessas imagens podemos visualizar um bom volume de tecido mole para ambas reabilitações. Entretanto, devido à fisiologia de adaptação dos tecidos peri-implantares, na região cervical do implante, pode ser visualizado um comportamento diferente para o tecido ósseo. Na imagem radiográfica é observado como os tecidos peri-implantares se comportam frente a um implante com ombro liso e o outro microrrugoso. Além da textura pode ser observado a horizontalização do espaço biológico, pois o implante com conexão protética cônica possui o desenho de plataforma switching e, portanto, favorecem a formação de tecido ósseo ao redor do ombro do implante e do abutment.

Muitos profissionais ainda são negligentes durante o tratamento restaurador, o que acaba ocasionando iatrogenia. Qualquer injúria ao espaço biológico provocará, inicialmente, uma reação inflamatória, que poderá gerar reabsorção da margem óssea como uma providência orgânica para o seu restabelecimento ou, até mesmo, acarretar perda dentária em casos mais severos. 

A busca pelo conhecimento anatômico e histológico desta distância não deve ser restrita aos periodontistas, e sim a todos os clínicos que trabalham nesta área, pois a periodontia está intimamente relacionada à dentística, à prótese dentária e à implantodontia. Cirurgia de aumento de coroa clínica com osteotomia e pequenos movimentos ortodônticos de extrusão da raiz, com ou sem fibrotomia, são procedimentos que conseguem restabelecer o espaço biológico ao redor de dentes de forma relativamente simples e podem ser realizados pelo clínico. Em geral, estima-se que um espaço vertical de aproximadamente 3 mm entre a crista óssea e a margem do preparo seja suficiente para o restabelecimento do espaço biológico em dentes naturais e da saúde periodontal. 

Em implantes, a localização da junção implante/abutment e a existência de um microgap contaminado por bactérias influenciam diretamente a remodelação da crista óssea marginal. Uma remodelação entre 1,5-2 mm da crista óssea apicalmente à localização da junção implante/abutment é considerada normal após o primeiro ano em função, para implantes que possuam conexões de topo (butt-joint), como as conexões poligonais (hexágonos, triangular, octogonal). O conceito de platform switching, onde um abutment protético de menor diâmetro é colocado sobre um implante de maior diâmetro, afasta o microgap da margem do implante, trazendo-o para o centro, horizontalizando o espaço biológico e minimizando a reabsorção da crista óssea comumente observada após a instalação da prótese. Para alcançar essa horizontalização é imprescindível o uso de um implante que possua uma conexão protética cônica, com uma interface implante-abutment, que apresente um excelente embricamento mecânico entre a extensão de atrito dos dois cones. 

A redução da reabsorção da crista óssea após a colocação da prótese favorece a formação de papilas interdentais entre implantes e também entre dentes e implantes. Essa horizontalização do espaço biológico através do uso de um implante de conexão protética cônica, possibilita a formação de uma camada tecidual mais espessa, que também é um fator que influencia a remodelação óssea e favorece a estética.  

No caso de implantes, a manutenção da osseointegração e o sucesso em longo prazo dependem de um bom selamento epitelial na margem peri-implantar. A espessura do tecido gengival e a macroestrutura do ombro do implante e do abutment, têm influência direta na qualidade do selamento apical. Além disso, a boa adaptação marginal das restaurações e coroas, e a utilização de materiais que não causem irritação tecidual são de extrema importância para que este selamento seja eficaz. 

De maneira geral, fica evidente o papel fundamental que os tecidos supracrestais desempenham na manutenção de saúde ao redor de dentes e implantes. Apesar do entendimento de que a medida do “espaço biológico” precisa ser respeitada ao redor dos implantes, vários estudos publicados na literatura destacam a necessidade de novas pesquisas que firmem essas dimensões. Principalmente, para que em algum momento, possa existir uma concordância absoluta, como a que foi atingida para a estrutura dentária. Na qual um mínimo de 3 mm deve existir desde a margem da restauração até o osso alveolar, permitindo 2 mm de espaço biológico e 1 mm de profundidade de sulco.

Figura 7 – O conceito de platform switching com o uso de um implante que possua uma conexão protética cônica, que apresenta um excelente embricamento mecânico entre a extensão de atrito dos dois cones proporcionou a redução da reabsorção da crista óssea após a colocação da prótese. Essa horizontalização do espaço biológico através do uso de um implante de conexão protética cônica, possibilitou a formação de uma camada tecidual mais espessa, que também é um fator que influencia a remodelação óssea e favorece a estética. Neste caso, a manutenção da osseointegração e o sucesso em longo prazo dependeu de um bom selamento epitelial, na margem peri-implantar. A espessura do tecido gengival, a macroestrutura do ombro do implante e do abutment protético também influênciaram diretamente na qualidade do selamento apical.


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